A pedofilia que você aprova
- Mayane Humeniuk
- 21 de nov. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de nov. de 2021
Cerca de 68% dos casos de violência sexual infantil acontecem dentro de casa. Quem é o responsável por isso? No texto abaixo, discorremos sobre o assunto através de opinião e ciência.

Foto por Misha Voguel
Hoje, no Brasil, 82% das vítimas de pedofilia são do sexo feminino. Não é surpresa o fato de que a maioria desses abusos ocorrem dentro da própria casa. Em matéria para o Estado de Minas, após a informação de que a pedofilia é considerada uma doença desde 1960 e de que cerca de 17 mil notificações de casos de pedofilia foram feitos em 2020, a comunicóloga Clara Fagundes questiona: Será que são tantos homens doentes que se escondem em um terreno baldio ou será que (a pedofilia) é algo permitido e exaltado socialmente?
A cultura da pedofilia não trata da psicopatologia, mas da forma como as crianças e mulheres são apresentadas socialmente em um contexto de normalização da prática. A ideia de projetar situações sexuais em meninas desde crianças e o fato de que o padrão de beleza feminino hoje é infantilizado, são dois viés da cultura da pedofilia por onde podemos ir.
Eu poderia apenas citar aqui como o fato de que um corpo pequeno, sem pelos e sem marcas é um corpo infantil, e por isso os padrões impostos para mulheres são baseados em conceitos pedófilos, mas essa contextualização é muito mais funda do que parece.
A criança do sexo feminino é exposta ao terror do envelhecimento desde muito cedo, na mídia, a mulher velha é por diversas vezes representada como uma bruxa, seja em filmes, desenhos ou histórias infantis. Na vida real, a mulher velha também é vista como descartável e substituível, e não apenas num contexto sexual. É só olhar ao redor e verá, seja no mercado de trabalho, em relacionamentos e na representação da mulher na mídia. A mulher ideal é a mulher infantilizada.
O quanto isso impacta na normalização da pedofilia, afinal? A resposta é simples: completamente. Se hoje um padrão infantilizado é apresentado e reforçado pela mídia, o sentimento de que é normal se atrair e se aproveitar sexualmente de uma criança é naturalizado.
Pesquisas realizadas em grandes portais de pornografia, como o Pornhub, revelam que os termos “Teen (Adolescente)”, “Stepdaughter (Entiada)” e “Underage (Menor de idade), entre outras variações, estão sempre entre os termos mais buscados.
No fim, não é o homem doente e transtornado que abusa e machuca crianças, é qualquer homem, e essa é uma verdade difícil de engolir.
Abaixo, deixo um trecho do artigo científico ainda não publicado que produzi para uma conclusão de curso, onde analisei os discursos pedófilos encontrados no quadro “Concurso de Miss Infantil”, na SBT.
O sexo está presente na infância em razão da anatomia, mas ausente fisiologicamente, também presente se por acaso a prática existir, mas ineficiente na questão reprodutora. Por fim, a sexualidade pode estar presente na infância em suas manifestações mas velada em seus efeitos, que costumam aparecer patologicamente mais tarde (FOUCAULT, 1988).
Para Foucault, a sexualidade da criança foi legalmente interditada por uma questão de “saúde da raça”, já que a gravidez precoce apresentava complicações e, pela medicina, é considerada deficiente e incompleta. No entanto, o autor também apresenta o fato de que a introdução precoce da vida sexual causa patologias psicológicas muitas vezes permanentes.
Para Netto (2010), a sociedade busca na criança uma “superioridade” que não se trata de questões infantis, como ter tempo para brincar e ter todos seus direitos assegurados pelo Estatuto da Criança, mas uma superioridade que diz respeito a atributos adultos e, principalmente, atributos sociais femininos. Para as crianças de sexo feminino, a socialização é forçada mais cedo.
Podemos compreender, então, que a cultura da pedofilia não é uma prática abominada na sociedade, mas ainda muito normalizada e sustentada pelos padrões de beleza e comportamento impostos às mulheres.
Você já parou para analisar se suas crenças e comportamentos reforçam essa cultura ainda enraizada no nosso dia-a-dia? Faça isso hoje.
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