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Transição capilar: um processo coletivo

  • Foto do escritor: Letícia Monalisa
    Letícia Monalisa
  • 18 de nov. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 23 de nov. de 2021

Letícia Monalisa



A transição capilar é mais que um procedimento estético, é um processo de autoaceitação da identidade. Parar de submeter os cabelos a procedimentos químicos ou térmicos de alisamento, ter o cabelo com duas texturas e, por fim, cortar as partes afetadas pela química, recuperando o cabelo natural, é uma atitude individual; mas que também pode ajudar a encorajar outras pessoas a fazer o mesmo.


Segundo o artigo Mulheres negras e construção de sentidos de identidade na transição capilar, publicado em 2021 na revista online Psicologia e Sociedade, a transição capilar é uma experiência majoritariamente negra feminina, em virtude do cabelo crespo ser reconhecido como “ruim”, ao passo que o cabelo liso é reconhecido como “bom”. Essa construção de sentido histórica, reflete o racismo na sociedade, assim como é um dos fatores para que mulheres negras alisem os seus cabelos e tenham sua identidade relegada.


No artigo, as autoras Amorim, Aléssio e Danfa apontam que as entrevistadas passaram a se sentir mais bonitas depois que se viram livres do processo de alisamento, e se referiam a esse como “escravidão”. Além dos ganhos pessoais, mencionam que essas mulheres muitas vezes acabam estimulando um grupo de pessoas. Com base nisso, percebemos a importância da representatividade nas telas, mas também no seu círculo social.


Quando entrei na faculdade, conheci meninas que passaram pela transição capilar e estavam lá com seus cabelos de diferentes curvaturas, conversando sobre finalização, day after e “dedolis”, termos que eu não conhecia. Um pouco antes, uma blogueira que acompanhava na época estava passando pela transição capilar, e aquilo parecia algo fora da minha realidade. De início me espantou, esse contato com o diferente, mas, ao mesmo tempo, gradativamente, despertou algo em mim. Uma curiosidade, então tentei participar dessas conversas entre minhas amigas.


Depois de um tempo, minha amiga mais próxima na época começou a passar pela transição capilar, e penso que ganhei um pouco de coragem com ela, pois também comecei a parar de usar produtos químicos e térmicos. Ver cacheadas na universidade me inspirou. Eu via essas mulheres e sentia uma aura de poder e de força, que me contagiou eventualmente. Eu me senti à vontade para ser eu mesma. Foi quando entendi a importância da representatividade, de ver mais produtos para cabelo cacheado.


Olhando em retrospecto, essa representatividade no círculo social e também na internet foi essencial para mim. Aprendi formas de usar meu cabelo, de dar textura. Antes disso, havia tentado usar meu cabelo natural algumas vezes, mas acabei desistindo. Não sabia como pentear, qual produto usar e como dar textura aos fios. Eu não tinha ideia de como começar, parecia tão difícil, então continuei na comodidade. Em certo momento, o que era cômodo, passou a me incomodar, a pesar; me senti presa a química, ao secador e prancha. Era um processo tão trabalhoso e cansativo. Uma coisa levou a outra, chegou o momento em que eu não conseguia me enxergar ali, com o cabelo grande e liso. Eu olhava para o espelho e não conseguia me ver no reflexo, parecia outra pessoa.


Apenas quando cortei o cabelo, me encontrei. E fiquei feliz por poder ter a ajuda dessas amigas durante esse processo. Era como se tivesse colocado a roupa certa, o sapato que encaixou no meu pé. Eu aprendi a olhar para uma nova versão de mim, uma versão mais genuína, e encontrei mais coragem para continuar a transição. Então nas outras vezes que cortei, a sensação de liberdade aumentava. Era uma euforia. E eu fiz isso, cortar, esperar crescer, cuidar do cabelo, e cortar de novo até retirar completamente a química dos meus cabelos.


A transição capilar é um processo desafiador, mas não precisa ser um processo solitário. E para continuar, é importante ter a representatividade na sociedade. Leva tempo, paciência, persistência e aprendizado. Nesse processo, aprendi a me aceitar e abraçar meus cachos. A aceitar o meu cabelo, aceitar o frizz, o volume. Eu concluí o meu processo, mas ele não acaba aqui, comigo; o ciclo continua com outras mulheres.




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